segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Não passei na fila...


Costumo dizer que antes de vir ao mundo não passei na fila disso que chamam timidez. Nem sei o que é isso. Não me lembro de ter vivido uma situação que tenha deixado-me encabulada ou envergonhada.
Na faculdade, lembro-me dos seminários que apresentava.Um grupo inicial de 8 pessoas, uma trocava slides, outra segurava cartazes, enfim... o conteúdo verbal era sempre meu, o seminário todo.
Numa dessas ocasiões, já no 4º ano, nosso tema era sobre mitilicultura (criação de marisco no litoral). Nosso grupo era formado por 3 pessoas que desde o primeiro ano estavam juntas. Chegou-se a nós 2 garotas, que eram extremamente tímidas, pedindo para fazer parte do nosso grupo.Elas simplesmente não conseguiam falar... por mais que decorassem o texto, na hora, sempre travavam, dava branco.
Lembro-me até hoje, que o professor obrigava todos os componentes a falar, caso contrário, o grupo seria penalizado. Por isso, as meninas pediram para entrar no grupo, já que os demais grupos não entendiam esse problema sério delas. As outras duas, de cara, disse que não, pois certamente nossa nota (que em seminário sempre foi uma das melhores) cairia.
Fui para casa sentindo-me mal. Sabia do problema delas, também sabia que ambas precisavam de notas, e depois de tantos anos, sabia que ambas tinham problemas serios em se expressar, mas, era voto vencido, fazer o que?! Duas contra uma. Pior, caberia a mim, comunicar no dia seguinte que nós não a aceitariamos no nosso grupo.
Tentei colocar-me no lugar delas, mas confesso que não via dificuldades em falar em público, mas não faz parte da minha personalidade deixa-las na mão. Afinal, a vida é como uma roda gigante, hoje tamos lá em cima, mas poderia mais tarde precisar dela, afinal, no campo profissional, ninguém sabe o dia de amanhã.
Estudei o trabalho a noite inteira... tentei achar uma forma de encaixa-las. La pelas 3 e tal da manhã surgiu-me uma idéia, que a mim, pareceu bem original, e resolveria esse problema.
Existe a distinção sexual do marisco macho e do marisco fêmea. Podíamos elaborar uma fantasia de marisco macho e marisco fêmea, colar por dentro da fantasia a fala de cada uma, onde ao abrir e fechar suas valvas (como se estivessem falando) elas demosntrariam sem olhar para ninguém, ocultas pela fantasia, salientando essas diferenças. Cheguei cedo, com a figura da distinção sexual de cada um dos mariscos e expus minha idéia para as outras.
A princípio, elas acharam que a apresentação viraria um circo, não seria levada a sério, mas argumentei em cima do fator 'criatividade', e elas se convenceram. Ufa! Primeira parte ok. Esperei pelas outras duas... expus meu plano, elas se riam, não estavam acreditando naquela maluquice. Mas enfim, depois de entenderem que minha proposta não era ridiculariza-las, mas sim, com criatividade ajudá-las, não tiveram muita escolha.
Foram duas noites elaborando e salientando a diferença entre cada marisco. Elaborei um diálogo entre elas, e colei na parte de dentro na altura dos olhos de cada uma.
Bem, começou nossa apresentação, a três... cada uma a falar de uma caracteristica, sazonalidade, tecnica de cultivo, mapas dos locais, interferencia da mare.
E chegou a grande hora... Onde eu dizia, que existia esse dismorfismo e caracteristicas que seriam apresentado pelas outras componentes. Abri a porta da sala, e as guiei ate o centro...
Não tiveram a menor dificuldade em coordenar as falas , o abrir e fechar das valvas...resultado: após alguns risos iniciais, o silencio tomou conta da sala, o pessoal não acreditava no que via.
Aplausos de pé, e... nota 10.
Hoje, lembrando disso, confesso que ainda acho muita graça, mas sinto-me bem por de alguma forma te-las ajudado a superar nem que momentaneamente algo tão sério.
A partir dali, comecei a respeitar ainda mais isso que chamam de TIMIDEZ.
A encarar como um problema que pode afetar diretamente a vida de uma pessoa. Elas iam desistir, coitadas, mas se formaram! Não comigo, na primeira turma.. uma demorou dois anos depois, e outra pediu transferencia para outra universidade e hoje não tenho notícias.
Nunca tive problemas em falar em público, e falar com pessoas desconhecidas, a brincar com quem não conheço...
A expor meus sentimentos de uma forma nua e crua- certo que nem sempre isso é bom, a total ausência da timidez também não é boa.
Falo fácil demais sobre o que sinto, sobre o que penso... Só tomo cuidado para que o meu falar nao ofenda ou magoe a quem me ouve, pois de resto, expresso-me de forma livre, sem pudores.
Dizem que timidez é uma especie de insegurança, Uma especie de repressão, uma especie de disturbio que pode levar a fobia social...
Dizem, leio... mas não provei, não sei bem do que falo... e o mais importante, que passei isso aos meus filhos como herança. Sei que nenhum deles tem medo de expressar sua indignação perante a uma injustiça, ou expor um trabalho bem estudado a frente da classe.
Por fim, no ultimo ano, fomos chamado pelo professor mais 'ranheta' que tinhamos, a falar sobre Ranicultura como seminário, mas tendo que apresentar para todos os alunos desde o primeiro ano, no auditorio da faculdade. Aquelas duas , sempre comigo, tremeram na base... Eu adorei o desafio. Fui a fundo no tema. Amei aquilo!
E por fim, mais um 10. O professor levantou-se e disse a todos, em especial aos calouros... Exijo esse n´vel de apresentação em todos os meus seminários. Que sirva como exemplo.
São lembranças gostosas, mas penso em quantas pessoas timidas que teriam problema para uma simples apresentação...
Perdoem o tema, desconheço, mas essa história foi de puro saudosismo.
JInhusss



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